Autoexigência – Quando foi preciso apontar para dentro (2013 – 2016)

Exposição de troféus no Museu do FC Porto em ambiente sombrio, simbolizando a autoexigência do clube

Quando foi preciso apontar para dentro

Há lutas que custam mais porque tocam onde dói: em casa. Um dia percebi que já não bastava desmontar o teatro lá fora. Era preciso olhar o Porto nos olhos, não para ferir, mas para o tentar “salvar” de si próprio. Porque o amor, quando é amor, não tapa o sol com a peneira: corrige, exige, é justo.

A mesma coerência e justiça que sempre me guiaram fora de portas, obrigavam-me agora a ter a mesma frontalidade dentro delas.

Comunicação e negócios que corroeram a identidade

Comecei a ver sinais que não combinavam com a nossa identidade. A comunicação, que um dia serviu para defender o clube, passou a ser barulho que distrai. Em vez de esclarecer, fabricava inimigos de estimação e slogans para entreter a plateia. Enquanto isso, portas dentro, calava-se quem pensava diferente. A exigência foi trocada por efeitos especiais.

No relvado e no balneário, a erosão tinha cheiro. Negócios onde parecia contar menos a qualidade do jogador e mais quem o representava. Nepotismos que se insinuavam nas conversas, como se o clube fosse corredor de família. Perfis errados envergavam a nossa camisola, talento sem compromisso coletivo, vícios dos outros com verniz novo. Lembro-me por exemplo do caso Osvaldo: símbolo perfeito de como um nome pode fazer ruído e, ao mesmo tempo, desafinar a alma do balneário.

A erosão da mística e o museu como desculpa

A cada época, outra ferida: saídas a custo zero, património a evaporar, um balneário a perder referências. A mística não morre num dia, apodrece aos poucos quando a liderança prefere o conforto dos amigos à dureza dos princípios. E quando denunciei que o clube estava a copiar métodos que sempre criticámos nos outros, fiquei com a certeza amarga: estávamos a construir a nossa própria “manada azul” gente boa, mas domesticada por narrativas que pediam fé cega e silêncio obediente.

O mais doloroso era ver a direção usar, de forma subtil, as mesmas armas dos adversários que sempre criticámos. Vejam o museu, olhem só o que conquistámos… era a cópia fiel do discurso encarnado. E como podia eu deixar isso quieto, se fomos nós que sempre lembrámos que os museus não ganham campeonatos?

O preço da crítica: respeito acima do aplauso

Foi aí que pagámos o preço a sério. Não foi quando falámos dos rivais, foi quando dissemos alto o que muitos sussurravam: que Pinto da Costa acabaria por sair pela porta pequena se continuássemos a confundir lealdade ao Porto com idolatria a homens. Veio o rótulo, veio o insulto, perdemos centenas, talvez milhares de seguidores. Doeu? Doeu. Mas doeu como deve doer a verdade. E, no fim, foi simples deixá-los ir: nunca foram números que nos moveram. Move-nos a ideia de Porto exigente, justo, maior do que qualquer dirigente.

Não escrevemos por raiva. Escrevemos por respeito.

O respeito que diz ao melhor amigo o que ele precisa ouvir, mesmo que doa. Podemos estar errados? Claro que sim. Mas se acreditamos que estamos certos, porque haveríamos de ficar calados? O respeito que não confunde crítica com traição.

O respeito que se lembra do que aprendeu nas Antas: assobiar a ganhar pode ser amor, é pedir mais a quem pode dar mais.

Se hoje olhamos para trás, não há prazer em ter tido razão. Há apenas a serenidade de quem escolheu o Porto quando era mais fácil escolher o aplauso. Denunciar a compra de silêncios, o conforto de camarilhas, a cultura do favor, não nos afastou do clube, aproximou-nos do Porto que amamos. Porque a nossa mística não é grito de bancada; é padrão de conduta.

Vida pessoal, silêncio e promessa de regresso

Este capítulo fechava com um vazio no peito. Eu sabia que tinha dito o que precisava de dizer, mas a minha vida pessoal puxava-me para fora das páginas do BOF. Houve um tempo em que foi preciso calar a escrita para cuidar da vida. Deus tinha-me dado uma oportunidade única e eu precisava de a aproveitar ao máximo, focado a 100%. Depois veio a família, e com ela outras prioridades.

A voz, porém, nunca se perdeu, ficou guardada e remetida a grupos de amigos e Whatsapp. E quando regressou, regressou com a mesma promessa de sempre: trazer de volta a exigência que nos fez grandes.