A coragem de enfrentar o sistema (2010–2015)
O BOF nasceu como um murro na mesa. Não para ser simpático, mas para ser justo. Havia um país rendido à lamúria conveniente, decisões que variavam conforme o vento, e um campeonato que parecia aceitar o enredo como se fosse normal. Entrámos no “jogo” sem pedir licença: a palavra era a nossa arma, a coerência era o nosso escudo.
Mas há momentos em que, depois de desmascarar a mentira por escrito, é preciso deixá-la cair com um gesto. Nessa altura, o Benfica começou a alimentar a ideia de que não podia visitar o Dragão por “medo das pedras” à chegada. Percebemos que a resposta tinha de estar à altura do que escrevíamos: simples, certeira, incontestável.
O nascimento do Movimento dos Cravos
Foi assim que nasceu o Movimento dos Cravos: recebê-los à chegada com cravos. Não por folclore, mas por precisão. Para expor o ridículo de quem, tantas vezes, conviveu com episódios de vandalismo, autocarros vandalizados e confrontos com a polícia, e ainda assim se fazia de frágil. Cravos magoam menos do que pedras e recordam Abril de 74 — a coragem serena que transforma. A rua apenas confirmou o que o teclado já gritava: o país estava cansado do teatro.

Entre tantas palavras, rubricas, posts e ideias, houve uma que ficou marcada: a “Manada”. Uma rubrica onde apontávamos e desmontávamos a forma como o Benfica tentava doutrinar adeptos, transformando-os em carneiros obedientes que repetiam chavões como se fossem dogmas. Era provocação, mas era também diagnóstico: mostrar como a propaganda consegue domesticar gente que devia pensar por si.
Mal eu sabia, na altura, que essa rubrica acabaria por servir de “inspiração” para outros dentro do nosso próprio clube, criarem também a sua própria “manada azul”. Se a vermelha me revolvia, a azul entristece-me ainda mais, porque mostra como acabámos por copiar aquilo que sempre dissemos combater.
Da denúncia à referência incómoda
Mas, depois dos Cravos, o BOF deixou de ser ruído incómodo para se tornar referência incómoda. Ganhámos credibilidade e expressão nacional, primeiro vieram mensagens tímidas, depois telefonemas, encontros num café discreto. Fontes começaram a bater-nos à porta, pediam sigilo e traziam dossiers, recortes, atas, emails, e nós respondíamos com método: cruzar, verificar, datar, publicar só com prova e proteger quem tinha coragem. Aceitámos perder a primazia se isso significasse ganhar a verdade. A conversa deixou de ser opinião para passar a documento, preto no branco, e então chegou o caso que expôs, sem remendos, o elástico das regras.
O primeiro impacto foi perceber que a verdade, quando escrita preto no branco, dói a quem vive do cinzento. Publicámos documentos, ligámos pontos que muitos fingiam não ver, chamámos as coisas pelo nome.
Quando tornei pública a decisão instrutória referente ao castigo de Jorge Jesus, de uma vogal da Comissão Disciplinar, dois meses de castigo que se evaporaram em onze dias, não foi só uma fonte ou uma peça de arquivo, foi um espelho. Um espelho que devolvia a imagem de um futebol onde as regras pareciam de borracha. A reação não tardou: portas a bater, tentativas de apreensão de computadores, telefonemas “bem-intencionados”. Mexeram connosco porque nós mexemos no sítio que doí.
A lição: quem não deve, não teme
Aprendi aí uma lição que nunca mais esqueci: quem não deve, não teme, e quem teme, tenta calar. A partir daí, cada post passou a ser escrito com a consciência de que defendíamos mais do que um clube, defendíamos a ideia de competição limpa. Não havia ódio, havia método. Não havia insulto… bem… corrigindo: por norma, não havia insulto, havia fatura e recibo.
Nesse período o BOF deixou de ser apenas um blogue combativo para se tornar uma voz de escrutínio reconhecida, e temida pelos adversários. O que escrevíamos ecoava fora das redes, incomodava. Havia quem nos quisesse calar, havia quem nos quisesse usar, e havia quem, em silêncio, respirava de alívio por alguém dizer o que eles não podiam.
Esse ciclo consolidou uma certeza: a propaganda pode enganar o dia, mas a verdade resiste no tempo. Foi isso que manteve o BOF firme, mesmo em meio a pressões, ameaças veladas e convites envenenados. Estava claro que mexíamos em feridas que o futebol português preferia esconder.
E olhando hoje para trás, torna-se ainda mais evidente: o “deep state” do futebol português não estava habituado a ser contrariado por alguém de fora da Comunicação Social que tivesse voz. O BOF e outros mais na altura, foram provavelmente o início da força das redes sociais, numa época em que quase ninguém percebia o valor real da sua própria voz. E o “estado profundo” também não sabia bem como lidar com isso.
A inquietação dentro da nossa própria casa
Mas no meio desse caminho começou a nascer uma inquietação nova: e quando as mesmas sombras que denunciávamos fora começavam a aparecer dentro da nossa própria casa? Quando a exigência portista se trocava por slogans, quando a comunicação parecia servir para distrair em vez de esclarecer, quando o Porto começava a usar as armas que sempre criticámos nos outros… percebi que a próxima batalha já não seria apenas contra o sistema. Seria contra a nossa própria cegueira.
(Pensar Porto é o nosso compromisso)